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Rayana do Val e a conquista do título de Vassouras como 'Capital da Harpa no Brasil'


Foto: Peter O'Neill

Neste último mês mais uma relação cultural entre Brasil e Irlanda foi conquistada. A cidade de Vassouras (RJ) foi intitulada a Capital da Harpa no Brasil. A cerimônia oficial, que aconteceu no dia 02 de Dezembro, teve direito a um concerto dos alunos e professores do PIM (Programa Integração pela Música) e também contou com a presença da prefeitura local, da embaixadora da Irlanda no Brasil Fiona Flood e do cônsul da Irlanda Eoin Bennis.


O PIM é responsável pelo projeto “Música nas Escolas”, que visa ao aprendizado de instrumentos musicais nas escolas do município, e graças a harpista Rayana do Val, a harpa foi introduzida no projeto e abriu portas para esse grande acontecimento, chamando a atenção do Consulado da Irlanda no Brasil.


Mas o que a Irlanda tem a ver com o ensino de harpa no Brasil?


A história da harpa na Irlanda é muito enraizada, tanto que se tornou o símbolo do país. Você encontra a famosa imagem da harpa de Brian Boru estampada na moeda irlandesa, na antiga bandeira, em rochas milenares, no símbolo da Guinness, em lojas de bijuteria por todo o país, e até mesmo no símbolo da companhia aérea nacional. Além de ser um instrumento muito comum de se encontrar em shows de bandas tradicionais, sessions, ou até mesmo sendo tocada por músicos de rua. O que chamamos de harpa celta é um pouco diferente da enorme harpa de orquestra - mas tudo isso dá caldo para um futuro artigo explorando mais detalhes da longa e rica relação entre a harpa e a Irlanda.


Para termos mais detalhes de como foi todo este processo, convidei Rayana do Val para nos contar como tudo isso aconteceu e qual a história dela com a harpa e a música Irlandesa. 



Rayana é harpista formada pela UFRJ e carrega dezenas de cursos de formação na área da música. Recebeu bolsa de incentivo a viagens do Ministério da Cultura para a participação no Edinburgh International Harp estival 2013, Escócia, onde focou seus estudos nas harpas celtas e em 2023 foi convidada para apresentar um workshop sobre a harpa irlandesa para a Comhaltas Brasil, com apoio do Consulado da Irlanda. É professora da classe de harpa do PIM – Programa Integração pela Música em Vassouras/RJ desde março de 2015, além de já ter se apresentado em algumas das mais conceituadas salas de espetáculo do país e desenvolvido projetos como “Harpista por um dia”, “Harpa em Pauta” e “Pop Harpa”. Rayana também é atualmente membro do comitê da Comhaltas Brasil, responsável por projetos educacionais.




PINT: Primeiramente, muito obrigada por aceitar nosso convite! Você poderia nos contar como começou sua história com a harpa?


RAYANA: Eu que agradeço o convite! Minha história com a harpa começou há 17 anos, mas com a música é ainda mais antiga. Eu já tinha 19 anos e estava um pouco perdida na minha escolha profissional. Todos os meus testes vocacionais apontavam para artes. Foi quando começou a tocar no carro uma música da Loreena McKennitt e alguém me disse “Você sabia que ela toca harpa?” e eu respondi “Harpa? Eu quero tocar harpa!”. Eu nunca tinha visto uma harpa, mas a partir dali pesquisei, encontrei um professor e fiz tudo o que pude para me especializar neste instrumento tão encantador.



PINT: Você já conhecia música tradicional Irlandesa quando começou a tocar harpa? Como foi seu encontro com essa música/ cultura?


RAYANA: Eu já tinha ouvido e gostava muito de música “celta” ou new age, mas música tradicional irlandesa eu não conhecia. Em 2012, quando eu já estava na faculdade de música, decidi pesquisar por bandas que tocassem música irlandesa, porque eu sabia da importância da harpa na cultura irlandesa. E foi quando encontrei a banda Café Irlanda, no Rio de Janeiro. Então nos aproximamos, eu participei de algumas sessions (como ouvinte, porque eu não tinha uma harpa pequena para levar) e fiz uma participação especial em um show da banda. Foi uma experiência muito diferente de tudo o que eu já tinha vivido no meio da música clássica e eu gostei muito.



PINT: A harpa não é um instrumento muito comum de se encontrar e se escutar no Brasil. Como surgiu a iniciativa de integrar as aulas de harpa pelo PIM? Foi difícil conseguir os instrumentos?


RAYANA: O PIM já tinha três harpas quando eu entrei para o projeto. Foi minha professora, Cristina Braga, apoiadora e inspiração para que o projeto comprasse a primeira harpa, quem me trouxe para cá em 2015. Eles estavam precisando de uma professora de harpa e eu estava precisando de trabalho. Com o tempo nós fomos ganhando mais harpas de doação, algumas emprestadas, compramos outras com um dinheiro de uma campanha de financiamento coletivo para uma viagem que não realizamos por causa da pandemia e agora ganhamos mais três do Consulado da Irlanda. Então temos atualmente onze harpas! Comprar uma harpa, no Brasil, não é muito fácil por causa do custo do instrumento. Mas eu vejo que quando a gente faz com o que tem, novas portas vão se abrindo.



Cônsul Eoin Bennis e a embaixadora Fiona Flood /Foto: Clara Nunes

PINT: Como foi que o Consulado da Irlanda no Brasil ficou sabendo do trabalho do PIM em Vassouras? Você pode nos contar um pouco mais sobre como foi esse encontro?


RAYANA: O projeto de levar aulas de instrumentos para as escolas do município, em parceria com a prefeitura, começou em setembro do ano passado. Foi quando me levaram para uma escola com seiscentos alunos e me perguntaram como poderíamos fazer, já que as aulas seriam apenas uma vez por semana. Eu disse que poderíamos começar oferecendo para os alunos do primeiro ano, e como as aulas não são obrigatórias, conforme eles fossem desistindo, poderíamos incluir alunos dos outros anos. Mas para a surpresa de todos, as desistências foram mínimas e seguimos atualmente com cerca de 140 alunos. Um dia enviei fotos das crianças fazendo aula de harpa para a harpista Cristina Braga, que mora aqui na região. Ela postou em um grupo de whatsapp da cidade. Uma pessoa que trabalha na Secretaria de Cultura, descendente de irlandeses, Ava O’Dwyer encaminhou as fotos para Peter O’Neill, irlandês radicado no Rio de Janeiro, jornalista e estudioso da cultura irlandesa no Brasil. O Peter então mostrou as fotos para o Kevin Shortall, presidente da Comhaltas Brasil, que imediatamente me reconheceu da época que eu toquei com a banda dele. O Peter veio nos conhecer e mais tarde sugeriu que Vassouras fosse declarada Capital da Harpa no Brasil. Logo depois, através da articulação do Peter e da Comhaltas Brasil, tivemos a visita do Cônsul Geral da Irlanda em São Paulo, Eoin Bennis, que veio conhecer nosso trabalho. Aconteceu uma reunião na prefeitura, quando por sugestão do Cônsul, foi assinada uma carta de intenção de tornar Vassouras a Capital da Harpa e estreitar relações entre a cidade e a Irlanda. Isto aconteceu em dezembro do ano passado. Desde lá tivemos muitas reuniões entre PIM, Prefeitura de Vassouras, Secretaria de Cultura do Estado e Consulado Geral da Irlanda, para tornar possível a assinatura da lei que declara Vassouras a Capital da Harpa, um ano depois de iniciadas as primeiras conversas.



PINT: Ficamos sabendo que mesmo antes de Vassouras ganhar o título de Capital da Harpa, o PIM participou do evento Harp Day, que é um grande festival de harpa realizado pela Harp Ireland. Como foi participar do evento e como foi a experiência de ensinar tunes irlandesas para as crianças?


RAYANA: Participamos do Harp Day em outubro deste ano a pedido do Consulado, assim como a Harp Ireland participou do nosso concerto com um vídeo que foi exibido durante a celebração. Ficamos muito felizes de fazer parte desta comunidade tão grande de harpistas que tocam música irlandesa nas pequenas harpas conhecidas como harpas célticas ou irlandesas. Antes desse contato com o Consulado, meus alunos nunca tinham aprendido uma música de ouvido, foi muito interessante ver como eles aprenderam rápido. Acredito que quanto mais variado for o repertório musical e cultural de uma criança, melhor para ela. 



Alunos com harpas doadas pelo Consulado da Irlanda / Foto: Clara Nunes

PINT: Como funcionam as aulas de harpa nas escolas?


RAYANA: Loucura total! Eu tenho 10 ou 15 minutos de aula com cada grupinho de seis alunos. É muito pouco tempo e por isso eu tenho que planejar aulas bem produtivas. Mas as crianças nesta idade de sete ou oito anos aprendem bem rápido. Eu tenho duas monitoras que me ajudam nesse trabalho na escola. Antes de ganhar as três harpas do Consulado, nós tínhamos apenas três harpas pequenas (de colo) e por isso cada criança dividia a harpa com o colega. E assim eu consigo dar aula de harpa para 140 crianças em apenas um dia de trabalho por semana. As crianças que foram se desenvolvendo mais rápido e apresentando interesse e facilidade em tocar o instrumento foram sendo convidadas a frequentar a sede do PIM durante a semana, onde minha monitora Agnes estuda com elas. Assim, alguns deles já estão tendo mais tempo de contato com a harpa durante a semana e se quiserem, podem se matricular nas aulas de harpa no PIM no ano que vem. No PIM eu tenho atualmente outros 10 alunos que fazem aulas de harpa semanalmente. Lá as aulas têm duração de 30-60 minutos e são individuais ou em grupos pequenos, além das aulas de teoria musical. Uma de minhas alunas conheceu a harpa na escola no ano passado e esse ano mudou de escola, mas quis continuar fazendo aulas de harpa, e por isso veio para o PIM. 



PINT: Houve alguma mudança desde a cerimônia em reconhecimento da Capital da Harpa?


RAYANA: Durante a cerimônia declarando Vassouras a Capital da Harpa, o Prefeito anunciou a criação de um projeto de lei para que todas as escolas municipais da cidade tenham obrigatoriamente aulas de música. Isso já é resultado deste reconhecimento por parte do Consulado desde o ano passado. As aulas de harpa na escola neste ano já se encerraram, mas no ano que vem certamente os alunos terão mais tempo com a harpa, já que teremos seis harpas para usar nas aulas. Ninguém mais vai precisar dividir a harpa com o colega!


Rayana do Val, Consulado da Irlanda no Brasil e Prefeitura de Vassouras / Foto: Peter O'Neill

PINT: Quais são as dicas que você daria para quem quer começar a tocar harpa no Brasil?


RAYANA: Não espere juntar dinheiro para comprar a harpa dos seus sonhos. Compre uma harpa nacional ou usada. Se você tem a facilidade de estar em uma cidade que tem uma escola de música com harpa, você nem precisa comprar o instrumento logo de cara. Vá fazendo o que é possível que as portas vão se abrindo. Não tenha pressa de tocar da forma que você sonha, vai levar um bom tempo, tenha paciência e persistência que uma hora você chega lá. Nada é ideal no início, mas você vai precisar começar mesmo assim. Com certeza é um instrumento desafiador em muitos sentidos, mas vai valer cada passo da sua caminhada!







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