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Baile An Salsa: Mais Próximos Do Que Parece

Atualizado: 22 de abr. de 2023



Transmito diretamente da belíssima cidade de Galway, na Irlanda, onde tudo o que puder acontece acontece e a cena musical é tão vasta e variada que tromba com você até no supermercado. Não é incomum, por exemplo, você sentar-se junto a uma session, tocar umas tunes, e no dia seguinte descobrir que um daqueles músicos é o fiddler de uma banda que você já curte faz anos! É disso que venho falar aqui hoje: dessas coisas que são mais próximas da gente do que pode parecer a princípio. Vocês acreditariam se eu dissesse que só recentemente descobri que o host de uma session em que toquei algumas vezes aqui é o fiddler de uma das bandas irlandesas mais singulares que já tive o prazer de adicionar às playlists d’O Pint Diário?


Pois.



Apresento-lhes Baile An Salsa, um conjunto formado em Galway em 2012 que toca uma fusão interessantíssima da música tradicional irlandesa com ritmos latinos que eles apelidam de “Salsa-Trad”. Diga-se de passagem, uma fusão em que tudo o que é fundido mantém-se tão bem definido quanto meticulosamente bem executado. Uma combinação de músicos latinos e irlandeses cria um som único que é verdadeiro a ambas tradições musicais e ao mesmo tempo singular: são Andres Martorell, uruguaio, nos vocais; Alan Preims, italiano, nas congas; Benjamin Becerra, venezuelano, no baixo; Brendan McCreanor, irlandês, nas flautas e uilleann pipes (gaita de foles irlandesa); Ger Chambers, irlandês, no acordeão; Frailan Moran, cubano, na percussão; Michael Chang, americano, no fiddle; Brian Ferguson, irlandês, no bodhrán; Colm Naughton, irlandês, no banjo e bandolim; e AnnaLisa Monticelli no piano, cuja nacionalidade não consegui desvendar. Tão diversa quanto as origens de cada um são as histórias de interesse e envolvimento deles com ritmos irlandeses e latinos, e portanto assim é o som do Baile An Salsa, que de tanto contrapor um estilo ao outro e entrelaçar percussões, linhas melódicas, harmonias e sensações, acabam criando uma sensação de que é tudo uma bela duma coisa só.



Tunes tradicionais da irlanda são tocadas sobre ritmos cubanos, e canções como a clássica “Chan Chan” (popularizada pelo indelével Buena Vista Social Club) são comentadas por frases tipicamente irlandesas na flauta e fiddle; e as percussões variadíssimas se cruzam e se acompanham de uma forma que poucas vezes vi na vida – ainda mais quando estamos falando do trad, em que costuma-se centralizar a percussão em apenas um ou dois instrumentos (violão e bodhrán). Letras são cantadas em inglês, espanhol e, por quê não, irlandês! No momento em que nos acomodamos em um estilo, a banda imediatamente nos joga para o outro lado do Atlântico, e nos traz de volta tão logo tornamos a entender o que está acontecendo. O resultado parece uma discussão acalorada de família latina, sempre caracterizada pelos contrapontos apaixonados e às vezes bastante radicais – ao mesmo tempo em que o som irlandês, em sua fúria e assertividade parece vir numa intenção conciliadora. O que quero dizer, no fim das contas, é que o contraste que essa banda cria com duas culturas musicais tão distantes parece criar um senso de unidade a partir da própria discordância entre convenções musicais em que muitas vezes nos apoiamos demais sem sequer perceber – e o Baile An Salsa, por cima de tudo, nos retorna essa pergunta do “onde estão as fronteiras, afinal?”



É, talvez, uma lufada de esperança na humanidade apreciar esse tipo de som. Num momento em que tensões parecem só apertarem cada vez mais, isto é, e as nossas diferenças, inchadas em uma conspicuidade desmedida, parecem ser a questão de maior calamidade – conflitos, digo, entre antis-issos e a-favores-daquilos, entre pontos cardeais políticos e, agora e mais uma vez, entre países que levam suas fronteiras a sério demais. Quero dizer que um pedaço de arte desses nos dá uma pequena demonstração de quão bestas são essas linhas divisórias que desenhamos nos mapas. Pego-me pensando: que coisa bonita que mesmo culturas separadas por um oceano não conseguem produzir juntas – e que coisa cheia de sentido e cheia de concordâncias apesar de todas as diferenças – quando elas simplesmente param para admirar o que há de belo umas nas outras e fazer um entrelaçar de tudo isso.




Baile An Salsa tem dois álbuns disponíveis no Spotify, e fica aí a recomendação da semana d’O Pint Diário.





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