Minha primeira vez na ilha esmeralda foi a um pouco mais de dez anos atrás, quando ainda era uma jovenzinha iniciando minha longa jornada no mundo da música irlandesa. Nessa viagem aprendi muita coisa sobre essa cultura encantadora, e um dos instrumentos que mais me marcaram nessa viagem cheia de primeiras impressões foi a harpa. Primeiramente porque fiquei encantada em descobrir que na moeda da Irlanda há uma harpinha estampada, mesmo já sabendo que esse era o símbolo do país. Também porque foi a primeira vez que vi muitas harpas sendo tocadas juntas, ao mesmo tempo na minha frente. Desde então, quando via uma harpa sendo tocada, sempre ficava hipnotizada pelo som, pelas técnica e possibilidades infinitas que a harpa traz.
Há uns meses atrás estava eu no Russell Memorial Week Festival, em Doolin, prestes a assistir o show do Altan. Por consequência conheci o trabalho incrível da harpista Aisling Lyons, que fez o show de abertura. Aquela performance ficou na minha cabeça por semanas, e quando nós do O Pint Diário decidimos fazer nossa série de "menú degustação", a ideia de degustar o álbum mais recente de Aisling me veio imediatamente à cabeça!
M. M.
"Aistear" em irlandês significa “jornada”, e é exatamente o sentimento que as faixas nos trazem quando as escutamos com atenção. O álbum não fica repetitivo nem por um minuto, com arranjos sutis de tunes tradicionais, tunes modernos, composições próprias de Aisling ou até mesmo melodias de outros lugares do mundo, como a polca paraguaia “Danza Guairena”.
Pessoalmente, minha faixa preferida é a Buster’s Dream/ Pigtown/ The West Clare Reel/ The Boxing Reel. Se me lembro bem, Aisling mencionou no show que Buster é seu cachorro e que a ideia da melodia veio enquanto ela estudava na sala e via seu cachorro tendo sonhos muito loucos. Além disso, amo o jeito em que ela pensa a harmonia nas tunes e consegue brincar com variações rítmicas muito interessantes.
Vale muito a pena conhecer o trabalho dessa musicista que ajuda a manter a tradição de maneira mais refrescante e interessante possível.
P. C.
Eu acho super interessante como a harpa consegue deixar qualquer estilo musical tão leve. Algumas das tunes deste álbum eu já acompanhei com o violão, e eu entendia essas tunes como algo forte, aquele momento para “descer a mão” e lutar a batalha. Mas ouvindo com a harpa, senti como uma busca por aquilo que é interno, pode não ser bonito, ou talvez até seja, mas é algo que precisa de coragem para mergulhar dentro de mim e descobrir. Não deixa de ser uma possível batalha, mas é diferente daquelas que eu enxergava quando acompanhava a mesma tune com o violão. Estou falando aqui do sétimo Set do álbum (isso soa até místico rs).
Além do mais, é um álbum interessante por ter uma variedade bem grande de estilos e ritmos. O último set traz uma mistura com uma polka paraguaia e eu achei sensacional como sonoridade me levou da Irlanda para o Paraguai. A uma certa altura o álbum fica até romântico, quase rosa (rs).
Enfim, também não quero trazer tantos spoilers assim, mas o álbum é uma jornada leve, pelo toque da harpa, diversa e profunda!
L. R.
Confesso que se me pedissem uma indicação de um álbum mais contemporâneo de harpa irlandesa, eu teria muita dificuldade em pensar em alguma coisa. Claro, sempre temos os indeléveis trabalhos de Derek Bell, harpista e pianista dos Chieftains, mas sinto que isso se encaixa um pouco mais na categoria de “drogas pesadas”, para quem já tem alguma familiaridade com o gênero e quer descobrir mais, ir mais fundo nas origens, enfim. O outro lado da moeda, que busco evitar também como indicação, são os famosos “Celtic Chillout” – aqueles álbuns com uma fotografia de gosto duvidoso na capa, semi-coberta por letras estilo “word art” nos informando um nome genérico para uma compilação de iterações robóticas de “Scarborough Fair” e “El Condor Pasa” acompanhadas por sintetizadores e baterias eletrônicas. Na fúria do reavivamento e desenvolvimento modernos da música irlandesa, os primeiros exemplos de indicação que me vêm à cabeça sempre são da ordem de Lúnasa, Flook, Altan, etc… curioso, então, que me faltasse um bom exemplo de gravação do instrumento que é simplesmente símbolo da Irlanda. O que seria do meu cardápio de sugestões se não fossem meus parceiros de Pint Diário e seu vasto e profundo conhecimento da produção contemporânea irlandesa? Trazemos a vocês, hoje, Aistear de Aisling Lyons – e fica comprovado que a harpa não precisa ser relegada a New Ages mequetrefes (e nem efeitos sonoros de natureza, que também são empregados com extremo bom gosto).
Chama a atenção o uso da harpa como instrumento melódico principal tanto tocando tunes, decorando-as com ornamentações complexas e definidíssimas, quanto como acompanhamento de outros instrumentos – sempre trazendo pontos de vista honestos e refrescantes para a cena trad. E não é só isso: chamou-me muito a atenção a furtiva desviada ocasionada por influências bastante alienígenas ao trad, como é o caso da última tune da última faixa, Dnaza Guairena. Assim sendo, recomendo fortemente que às tempestuosas gravações de Flook, Lúnasa, Altan e companhia limitada alie-se essa bela obra como um belo (e seguro) ponto de partida – ou, até, um repouso reflexivo – para as suas explorações pela música tradicional irlandesa.
G. L.
Se há algo que me impressionou, e que de certa forma ainda impressiona, quando eu ouvi pela primeira vez foi a harpa. Me impressionou especialmente quando eu ouvi um jig sendo tocado nesse instrumento, o que me pareceu anti-natural a princípio, já que a referência que eu tinha no ouvido era da harpa fazendo acompanhamentos suaves ou efeitos, glissandos e arpejos. Neste álbum, Aisling Lyons me impressiona outra vez. Tunes tocadas com maestria, muito bem ornamentadas, com acompanhamentos pouco óbvios e muito inventivos e proposições rítmicas muito interessantes, tanto nas acentuações das tunes quanto nos acompanhamentos.
Além da harpa como instrumento solo, Aisling também usa a harpa somente como instrumento de acompanhamento, aqui no caso acompanhando ela mesma tocando concertina, e muito bem!
Claramente as referências de Aisling ultrapassam a música tradicional irlandesa, Itchy Fingers, Room 2.40, Être Fleur bleue e Dnaza Guairena são algumas das tunes que trazem esse tempero de outros lugares do mundo.
Não pude deixar de notar o bodhrán em algumas das faixas, aqui tocado pelo grande Dermot Sheedy (Ciorras e Hermitage Green). A combinação não é usual, mas é feita com muito cuidado e o resultado final é fantástico.
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